Trago aqui um relato pessoal, uma visão dos impactos da paternidade e da não paternidade (que nomeio covardia). Importante ressaltar que essa classificação de covardia não é o resultado de um juízo da vida alheia, nem tão pouco signifique, necessariamente, que aqueles que agem como pais sejam heróis merecedores de pedestais.
Me recordo que passada a comoção do escutar dos primeiros batimentos cardíacos de meu filho Eli, uma série de preocupações e obrigações se instalaram em minha mente, em meu jeito de ver e planejar minha vida dali por diante. Se antes eu vivia para o sucesso profissional, ser destaque nas empresas, ser reconhecido como exemplo, o “preto tipo A”, passava a ser o pai do Eli. Antes da continuidade de minhas lutas, era imperativo garantir as melhores condições para o desenvolvimento pleno de meu filho. E é assim que sigo desde então.
Faço parte dos pais que não convivem cotidianamente com o filho. Ele mora com a mãe, e tenho plena consciência de que o meu máximo é proporcionalmente pouco perto da rotina que ela vive. Reconhecer isso não é uma grandeza de caráter, é validar a realidade.
E dói. Dói a saudade, dói saber que perdi detalhes, gestos e momentos que só o dia a dia pode produzir. Todavia, o abraço de saudade, o olhar de cumplicidade, o “Ah, pai, eu te amo!” são balsâmicos e trazem ao meu coração e mente a certeza de que ele tem tido o necessário para se desenvolver. O sorriso, a inteligência, as traquinagens, o time de futebol preferido, a cor predileta, o jeito de pegar a colher, a letra, os amigos e preferências são escolhas dele, a partir da condição que entendo ser a obrigação de todo pai lutar o quanto for necessário para disponibilizar aos seus filhos.
Nessa esteira, e do nosso ponto racial e ancestral, me dói muito mais ver filhos e filhas abandonados por seus pais. O quanto essa figura faz falta! Mães, me desculpem, vocês são essenciais – são irretocavelmente cruciais para os filhos, fato! Mas a figura paterna é de igual importância para as crianças e adolescentes. Tal qual não se “faz um filho” apenas com mulheres, a educação plena e efetiva demanda a figura do pai. (Todas as vênias aos modelos diversos familiares; mesmo esses demandam a cumplicidade dos genitores e/ou genitoras no desenvolvimento das crianças.)
É doloroso ver cotidianamente estudantes sem autoestima, com dificuldade de se perceberem bons o suficiente, porque, se o pai afastou-se e não quis participar, quem quereria essas crianças?
Na minha condição de pai, me vejo cotidianamente instado a ser o melhor possível, e parece que ainda não sou suficientemente bom (não, aqui não é uma tentativa de ganhar sua empatia; é, de fato, minha visão de responsabilidade que um pai deve ter). Ver o desenvolvimento do Eli, vê-lo lendo, escrevendo, tornando-se autônomo em diversas atividades gera um medo, mas orgulho e amor são maiores.
Já na minha condição de professor e pesquisador na área da educação, leio nas estatísticas, nas realidades de sala de aula, o motivo de grande dor: o abandono parental gera não só dor, mas cria cenários de sofrimentos múltiplos em crianças e adolescentes, um ciclo vicioso que tem passado de geração em geração.
Meu convite de reflexão para esse Dia dos Pais?
Se você é pai, seja, esteja e aja como pai – cuide, dê segurança, dê carinho, dê condições, dê limites. Enfim, ame!
A dor dos medos, angústias e dúvidas da paternidade são uma gota d’água perto da intensidade e do poder do “Eu te amo, pai” e da felicidade de ver a evolução de um filho ou de uma filha. Portanto, tornemo-nos uma sociedade de pais presentes, pais de fato, não por reconhecimento ou vaidade, mas por entender que somos primordiais para o fortalecimento de uma sociedade íntegra, justa, respeitosa e diversa.
Seja pai.

Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0: O conteúdo do blog pode ser reproduzido sob as condições estabelecidas pela Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0. Esta licença permite que o material seja copiado e redistribuído apenas se for garantida a atribuição aos autores de cada conteúdo reproduzido, bem ao blog do Instituto LetraPreta. A utilização desta licença só é possível para uso não comercial, sem qualquer tipo de modificação. Os termos da licença podem ser consultados em: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt