Search
Close this search box.
LogoLPPrincipal Colorido

“O dono da dor sabe quanto dói”: a relação entre Carolina Maria de Jesus e o “Quarto de Despejo”:

Imagem criada com IA

“… Hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó. Eles estão cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?” – Quarto de Despejo, página 174.

Pungente. Angustiante. Viril. Monumental. Estonteante. Mas, principalmente: potente. Todos esses conceitos definem a escrita da escritora Carolina Maria de Jesus. No próximo dia 19 de agosto, o livro “Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada” completará 65 anos. Publicado pela primeira vez em 1960, a obra nos leva a transitar pelo âmago da antiga Favela do Canindé e pela árdua realidade que permeia a vida da poetisa enquanto mulher negra, mãe solo e semianalfabeta. Dentro da pequena comunidade que ficava localizada na Zona Norte da cidade de São Paulo, Carolina enfrentou a desigualdade, a fome – definida por ela como “a escravidão dos tempos modernos” –, a pobreza e a violência.

Natural de Sacramento, em Minas Gerais, Bitita – como carinhosamente era chamada pelo seu avô, Benedito – mudou-se para São Paulo, em 1937. No entanto, somente mais tarde, em 1948, passou a morar em Canindé. Para sobreviver e para alimentar os três filhos que, por sua vez, formavam a pequena extensão de sua família, Carolina passava boa parte do tempo catando materiais recicláveis. Em meio à rotina, encontrava tempo para ler e para registrar em seus diários os desafios que enfrentava dia após dia, de maneira tão crua. Ela retratava não somente o próprio cotidiano, mas, também, a vida daqueles que coadjuvaram, de alguma maneira, a sua história.

O conceito de “Quarto de Despejo” faz menção à ideia de que a favela é um depósito de “trastes velhos” para a sociedade, habitado por pessoas em situação de vulnerabilidade e de extrema pobreza. Tamanho era o sonho de Carolina em se tornar uma escritora que pulou de redação em redação e bateu de porta em porta na tentativa de publicar os seus escritos.

Os diários de Carolina foram descobertos por Audálio Dantas que, à época, visitou a Favela do Canindé para produzir uma reportagem sobre o cotidiano daquele local e dos moradores que ali habitavam. Os caminhos de ambos se cruzaram enquanto a escritora enfrentava alguns rapazes que visavam impedir que as crianças brincassem com os brinquedos que haviam sido instalados pela prefeitura. Bastou uma dose de curiosidade para que o jornalista encontrasse a oportunidade de mergulhar no universo de Carolina. Zeca Pagodinho diz em uma de suas canções que somente “o dono da dor sabe quanto dói”. Para Audálio, não havia ninguém melhor que ela para falar sobre o cotidiano daquela favela. Existem algumas discussões pertinentes acerca da relação profissional que os dois construíram, mas, de maneira geral, Audálio foi uma figura relevante para o sucesso do livro.

“Quarto de Despejo” é um clássico da literatura brasileira. No ano de 2025, celebramos o sexagésimo quinto aniversário da obra que, por sua vez, ultrapassou a marca de 10 mil exemplares vendidos na primeira semana pós-lançamento e, posteriormente, foi traduzido para diversas línguas. Além disso, o livro fez parte da lista de leituras obrigatórias para o vestibular de algumas universidades brasileiras. Atualmente, é possível encontrar os 37 cadernos escritos por Carolina Maria de Jesus no Arquivo Público Municipal de Sacramento.

 
Mariana Aniceto Costa
Colunista e Membro do Instituto

Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0: O conteúdo do blog pode ser reproduzido sob as condições estabelecidas pela Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0. Esta licença permite que o material seja copiado e redistribuído apenas se for garantida a atribuição aos autores de cada conteúdo reproduzido, bem ao blog do Instituto LetraPreta. A utilização desta licença só é possível para uso não comercial, sem qualquer tipo de modificação. Os termos da licença podem ser consultados em: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PESQUISAR NO BLOG
Em destaque
Compartilhe nas redes sociais
Facebook
Pinterest
WhatsApp
LinkedIn
Twitter
Email
Facebook