No texto Aquilombar, Verbo Intransitivo: Experimentações Dialogadas entre Clóvis Moura e Beatriz Nascimento em Aquilombagem Crítica, Rosimeire Barboza da Silva e Gersiney Santos dissertam sobre a Aquilombagem Crítica (AC), uma proposta de ação ontológico-epistemológica, baseada na perspectiva discursiva crítica do uso da linguagem e dos textos, com vistas a reforçar a contribuição do pensamento de autorias negras para a intelectualidade brasileira (e até internacional). Importante salientar que o texto analisado faz uso da AC na escolha de ternos linguísticos ao decorrer da obra. É por meio da AC que Rosimeire Barboza da Silva e Gersiney Santosderao mais um passo no projeto de restauração ontológica afrodescendente: a (re)conexão voltada à reexistência (Souza 2009).
Os autores levam em consideração a polissemia de quilombo, pois, pode ser traduzido em formas igualmente múltiplas de ser e estar em locais (geográficos ou não) constituintes do mundo social. Devido a isso, os autores preferiram o termo reexistencias – conceito defendido por Ana Lúcia Silva Sousa (2009; 2011). Estes processos (de reexistência) ocorrem tanto no plano simbólico (de revitalização das estratégias ancestrais de resistência) quanto no plano material de contestação do projeto antinegro ou antinegritude (Pinho & Vargas 2016), cerne da formação social brasileira (Moura 1959; 1994; 2001; Nascimento 1985; Souza 2017).
Mais do que nunca, a intelectualidade negra brasileira vem pensando e trabalhando em interpretações robustas sobre a sociedade no País. Negras e negros, nas mais diferentes instituições e espaços de luta política, têm apontado como funciona o alijamento do saber afrodescendente das genealogias que oficializam o que é ou não relevante – assim como quem deve ter ou não a consideração e a legitimação para falar e teorizar acerca das complexidades sócio-históricas nacionais. Dessa forma, segue-se de grande importância salientar que intelectuais negros e negras sempre existiram, apesar dos processos de silenciamento e inviabilização que cercam a produção intelectual de pessoas negras. Em adição, os autores percebem que as denúncias sobre as tentativas de apagamento de modos não colonizados de conhecimento encontram maior ressonância quando potencializadas por nomes críticos ao sistema de privilégios da branquitude (Cardoso 2010; 2014; Bento 2002), mas inconformados ante o desperdício do potencial que possui a experiência (Santos 2002).
Esse desperdício mencionado configura-se como epistemicídio. Segundo Silva e Pinho (2018), o epistemicídio é um mecanismo de apagamento epistemológico de povos secularmente oprimidos que corrobora com o cenário de marginalização social que perpetua até a atualidade, interferindo, dessa forma, na visão de identidade da população afro-brasileira, colocando o negro na posição de Outro-inferior e que “o impele à profecia auto-realizadora que referenda os termos da estigmatização ou o conduz à autonegação ou adesão e submissão aos valores da cultura dominante” (Carneiro, 2005, p. 277). No artigo, os autores ilustram maneiras epistemológicas de resgate de ontologias coletivas ancestrais, necessárias para projetos consistentes de retomada de narrativas pavimentadas em estratégias de intervenção. A reflexão foi dividida em seis seções que perpassam a apresentação das figuras de Clóvis Moura e Beatriz Nascimento em suas concepções sobre a noção de quilombo mais a inter-relação de seus construtos epistemológicos com a proposta transformacional da AC. Na primeira seção, os autores ofereceram um panorama parcial sobre o percurso intelectual de Clóvis Moura. Na segunda, voltaram-se à contribuição específica aos estudos dos quilombos e à perspectiva por Clóvis Moura cunhada como ‘quilombagem’. Na terceira seção apresentaram Beatriz Nascimento em seu esforço ontológico e epistemológico referentes à busca da amplitude do conceito de quilombo. Na quarta seção, são resgatados alguns dos debates que a pesquisadora empreendeu para situar historicamente a organização social quilombola. Na quinta parte, apresentaram uma experimentação dialogada entre o que poderia ser uma aproximação pertinente às concepções de quilombagem e quilombo localizadas na perspectiva da Aquilombagem Crítica (Santos 2019). Na sexta e última seção apresentaram estratégias conceituais promovidas no escopo da Aquilombagem Crítica voltadas à intervenção protagonista de Moura e Nascimento.
Isabella Vidal de Almeida
Membro e colunista do Instituto

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