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A solidão e os desafios da mãe negra

Ser mãe é um dos mais belos e desafiantes papéis que uma mulher pode assumir. Essa jornada é marcada por amor, sacrifício e resiliência; no entanto, quando essa mulher é negra e muitas vezes mãe solo, as dificuldades se multiplicam de maneira exponencial. A realidade para essas mães não é apenas sobre criar seus filhos, mas também sobre lutar contra estigmas sociais, desigualdades estruturais e uma batalha constante com o preconceito.

Sem o apoio da família ou da sociedade, a mulher negra carrega não apenas os desafios cotidianos impostos pelo racismo, mas também o estigma de ser mãe solo — condição que, ainda hoje, é vista por muitos como um absurdo. Frequentemente, ela é responsabilizada por criar os filhos sozinha, e o julgamento se torna ainda mais severo quando teve múltiplos relacionamentos e filhos de diferentes companheiros.

“Ser mãe já impõe desafios imensos, mas para muitas mulheres, esses desafios vão muito além da maternidade em si. Elas enfrentam desigualdades estruturais que afetam profundamente suas vidas — especialmente as mães negras que vivem em regiões periféricas, onde a presença policial é constante e, muitas vezes, violenta.

É o medo diário de sair para trabalhar e receber uma ligação dizendo que seu filho, jovem negro, foi baleado ao voltar da escola, confundido com um criminoso. É ver sua filha, ainda adolescente, sendo abordada e assediada por olhares e palavras que hiper sexualizam o corpo da mulher negra. É viver com medo a cada minuto. É cuidar mesmo quando os olhos não estão presentes. É exercer a maternidade em estado de alerta permanente.

 

Políticas Públicas e Direitos Humanos

A realidade enfrentada por mães solo negras no Brasil evidencia a necessidade urgente de políticas públicas que promovam a equidade de gênero e raça. Dados recentes indicam que mais de 11 milhões de lares brasileiros são chefiados por mães solo, sendo que 90% dessas mulheres são negras. Além disso, 64,4% das mães solo negras vivem abaixo da linha da pobreza.

No mercado de trabalho, essas mulheres enfrentam desafios significativos. O rendimento médio de uma mãe solo negra é de R$ 1.685,00, o que representa 39,2% a menos que outras mães solos. Essa disparidade salarial reflete as barreiras estruturais que limitam o acesso a oportunidades econômicas e sociais.​

Em resposta a essa realidade, iniciativas governamentais têm buscado fortalecer a autonomia das mulheres. Programas sociais visam promover a igualdade de gênero e reduzir desigualdades históricas, especialmente para aquelas em situação de vulnerabilidade. Além disso, projetos de lei, como o PL 1716/2025, propõem alterações na legislação para garantir atenção especial às demandas das mães solo no Sistema Nacional de Emprego (Sine)

Organizações da sociedade civil, como a ONG Criola, (https://criola.org.br/)  também desempenham um papel fundamental na promoção dos direitos das mulheres negras, atuando para a erradicação do racismo patriarcal e contribuindo com a instrumentalização de mulheres negras jovens e adultas.​

Diante desse cenário de vulnerabilidade social e econômica, a educação surge como um dos principais caminhos para a emancipação dessas mulheres. No entanto, o acesso à escolaridade formal, que deveria ser um direito garantido, é atravessado por inúmeras barreiras que começam ainda na juventude e se intensificam com a maternidade. Para mães solo negras, estudar muitas vezes significa escolher entre a sala de aula e a sobrevivência. Essa realidade revela como as desigualdades raciais e de gênero não apenas limitam suas oportunidades no mercado de trabalho, mas também negam o próprio direito à formação — elemento essencial para a quebra dos ciclos de pobreza e exclusão.

As desigualdades estruturais que afetam as mães solo negras também se refletem de forma contundente nos níveis de escolaridade. A dificuldade de acesso à educação de qualidade, aliada à sobrecarga de trabalho doméstico, à ausência de rede de apoio e ao racismo institucional, limita drasticamente as oportunidades de formação dessas mulheres — o que, por sua vez, impacta diretamente sua inserção no mercado de trabalho e sua autonomia financeira.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e dados compilados pelo IBGE nos últimos anos, 58,7% das mães solo negras têm, no máximo, o ensino fundamental completo, e apenas 8,9% conseguiram concluir o ensino superior. Em comparação, entre as mães solo brancas, esse número sobe para cerca de 20,4% com nível superior completo (Blog do IBRE/FGV).

Esses índices evidenciam o quanto o racismo e o sexismo atuam de forma interseccional para restringir o avanço educacional das mulheres negras, especialmente quando se tornam mães ainda jovens. A evasão escolar por gravidez precoce é uma realidade para muitas meninas negras nas periferias urbanas, e a falta de políticas públicas voltadas à permanência dessas jovens na escola contribui para a perpetuação do ciclo de vulnerabilidade.

Embora existam políticas como o Programa Bolsa Família, que oferece bonificações condicionadas à frequência escolar dos filhos, e programas de acesso ao ensino superior (como o Prouni e o FIES), ainda faltam ações afirmativas voltadas especificamente para mães solo negras, como creches em tempo integral, bolsas de permanência e flexibilização das rotinas acadêmicas.

Na perspectiva dos direitos humanos, o acesso à educação é um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Negar a essas mulheres condições reais de acesso e permanência nos espaços educacionais é também negar seu direito ao desenvolvimento pleno, à dignidade e à cidadania.

 

Violência obstétrica: Até quando?

Para muitas mulheres o parto é um momento magico, porém dolorido (falo por experiência própria) Tudo que a mulher quer nesse momento é ser acolhida e receber o melhor tratamento possível. Mas infelizmente essa realidade não existe para todas as camadas sociais, principalmente quando se trata da mulher negra. Dados alarmantes mostra como até na hora de dá à luz a NEGRA sofre com o racismo estrutural.

Uma pesquisa da Fiocruz revelou que mulheres negras e com baixa escolaridade são as principais vítimas da violência obstétrica no Brasil. O estudo, que analisou mais de 24 mil mulheres entre 2020 e 2023, mostrou que adolescentes, mulheres acima de 35 anos, usuárias do SUS e com menor escolaridade enfrentam maior risco.

A maternidade negra no Brasil é marcada por profundas desigualdades que refletem o racismo estrutural e a precariedade do acesso a saúde. Dados alarmantes revelam que a taxa de mortalidade maternidade materna entre mulheres negras é mais que o dobro das mulheres brancas. Em 2022, foram registrados 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos entre mulheres pretas, enquanto entre as mulheres brancas, esse número dou de 46,56 (Morte de mães negras é duas vezes maior que de brancas, aponta pesquisa — Ministério da Saúde). Essa disparidade não é apenas estatística, mas uma realidade que impacta famílias e comunidades inteiras.

Entre os fatores que contribuem para essa desigualdade, estão; acesso precário à saúde, muitas mulheres negras vivem em regiões com infraestrutura limitada, dificultando o acompanhamento adequado durante a gestação. Racismo institucional, estudos apontam que mulheres negras recebem menos analgesia durante o parto e enfrentam maior negligência médica.  Condições socioeconômicas, a pobreza e a vulnerabilidade social aumentam os riscos de complicações na gravidez e no parto, devido à falta de acompanhamento adequado.

Para enfrentar essa desigualdade, especialistas recomendam: Investimentos em maternidades e centros de parto normal, são essenciais para garantir atendimento adequado – E aqui quero abrir um parêntese, pessoalmente não acredito que centros de “partos normais” seja uma das medidas que vai acolher a mulher negra, o que queremos e lutamos é por direitos iguais, que sejamos respeitadas como ser humano. O que tem que ser feito é agir de acordo com a situação e a vontade da mãe negra.

Capacitação dos profissionais da saúde, treinamentos sobre equidade racial e humanização dos partos. Fortalecimento de políticas públicas, programas como o Mais Médicos têm sido fundamentais para levar assistência a regiões vulneráveis.

Mortes maternas entre mulheres negras representa mais que o dobro de mulheres brancas no Brasil

Relatório sobre mortalidade materna de mulheres negras é divulgado — Ministério da Saúde

A História e a Luta das Mães Negras: Força, Resiliência e Amor Incondicional

A história da mãe negra transcende desafios e adversidades; é uma jornada marcada por força, resiliência e um amor incondicional que resiste ao tempo e às barreiras impostas pela sociedade. Mais do que provedoras, essas mulheres são verdadeiras heroínas, que, apesar de todas as dificuldades, encontram maneiras de cuidar de seus filhos e lutar por um futuro melhor para eles.

Entretanto, para que as próximas gerações de mães negras vivam uma realidade diferente, é fundamental que suas lutas sejam reconhecidas e que mudanças estruturais e sociais sejam implementadas. O combate às desigualdades exige comprometimento coletivo e ações concretas para garantir que essas mulheres tenham acesso a oportunidades reais e equitativas.

A sociedade precisa enxergar a importância das mães negras e oferecer suporte que vá além das palavras. Investimentos em educação, saúde e políticas públicas focadas na equidade são essenciais para garantir que elas não apenas tenham direitos iguais, mas também um ambiente onde possam prosperar plenamente em todas as áreas de suas vidas.

A luta pela dignidade, pelo respeito e pela realização plena continua. Que suas vozes sejam ouvidas, suas histórias amplificadas e suas causas reforçadas. Cada avanço na direção da equidade não beneficia apenas as mães negras, mas fortalece toda a sociedade.

Elas não estão sozinhas, mas precisam de um apoio genuíno e transformador. Afinal, são o alicerce de nossas comunidades e merecem viver em um mundo que as reconheça, as respeite e as proteja.

 

 

 

 

 

 

Vivencias da vida Real

Sou Layla, uma mãe preta, mãe do Miguel 5 anos e da Aurora 1 ano. A maternidade é um desafio um dia após o outro, mas quando se trata de criar uma criança preta o coração fica mais apertado. Moro na zona leste de Belo Horizonte – MG onde posso dizer que é uma região periférica e vejo obstáculos em ensinar meu filho a valorizar e respeitar o nosso povo, mas mostrando a ele a triste realidade de muitos garotos que ingressam no mundo do crime e das drogas. É um trabalho difícil e contínuo para fixar na mente dele que mesmo que a sociedade finja não nos enxergar, é necessário seguir o caminho certo, mesmo que isso não te dê a certeza de que algum dia você possa ser abordado, acusado injustamente ou até morto por causo da cor da sua pele.

 

História trazida pela colega Dayane Assis – Nzinga

Por Ladylene Silva
Colunista e membro do Instituto 

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Uma resposta

  1. Não sou mãe e morro de medo de me tornar. Desde violência obstetrícia (que eu não sabia muito sobre, aprendi demais aqui) até os desafios de instrumentalizar alguém pra viver nesse mundo que eu tô tentando decodificar pra viver de forma saudável, admiro todas que estão nesse lugar e fazem de tudo pra desempenhar esse papel da melhor forma que podem.
    Feliz dia das mães, meninas!
    Feliz dia das mães, mãe! Te amo!

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