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Beatriz Nascimento: Presente! Somos Atlânticas, somos Ngola Djanga

Imagem criada com IA

Nascida em Aracaju, em 12 de julho de 1942, Beatriz Nascimento foi uma mulher negra, nordestina, quilombola urbana contemporânea, historiadora, pesquisadora, roteirista, poeta e ativista. Com uma trajetória marcada pelo compromisso com a valorização da história do povo negro e dos saberes afro-diaspóricos; Beatriz dedicou sua vida a contar e reconstruir a memória do (a) negro(a) brasileiro(a) como protagonista de sua própria existência e resistência.

No último dia 10 de julho, o Sesc Pompeia recebeu um evento marcante para a memória negra brasileira: o relançamento da obra “Eu Sou Atlântica – Lugares e Rotas de Beatriz Nascimento,” escrita pelo magnífico doutor em Antropologia Alex Ratts, que esteve presente no local. A abertura contou com presenças potentes; a escritora Conceição Evaristo, que falou sobre o legado e a importância de Beatriz e fez uma linda homenagem

ao declamar o poema que lhe dedicou: “A Noite Não Adormece nos Olhos das Mulheres”. A da filha de Beatriz, Bethânia Nascimento Freitas Gomes, enviou um vídeo emocionante, explicando o legado de sua mãe e sua atuação no Movimento Negro Unificado (MNU).

A programação de 10 a 12 de julho de 2025 foi uma correalização da Editora Oralituras, da Fundação Rosa Luxemburgo e do autor Alex Ratts, com produção associada do Núcleo Coletivo das Artes Produções. A curadoria é assinada por Maitê Freitas e Rita Teles, criadoras com atuação voltada à valorização da memória, das artes e das histórias negras. A publicação da biografia de Beatriz Nascimento é mais que um resgate: é um gesto de reverência e continuidade do pensamento de uma das maiores intelectuais negras do Brasil.

Entre suas maiores contribuições está a ressignificação do conceito de quilombo. Para Beatriz, os quilombos não eram apenas espaços de fuga do sistema escravocrata, mas territórios de reinvenção da humanidade, de organização social, política e cultural.

Na potência do texto “Uma história feita por mãos negras”, Beatriz desafia a historiografia tradicional e propõe um olhar negro, ancestral e coletivo para a construção da memória. Para ela, o corpo negro é arquivo, é território e é linguagem. Sua escrita é atravessada por uma sensibilidade profunda e por um compromisso ético com a vida de seu povo.

Esse compromisso transborda também em sua atuação como roteirista do documentário “Ôrí” (1989), dirigido por Raquel Gerber — obra fundamental para entender o movimento negro no Brasil e as conexões entre identidade, ancestralidade e política.

Além de historiadora, Beatriz foi poeta. Uma poeta de águas profundas, cujos versos ainda estão sendo descobertos. Como destacou Conceição Evaristo durante o lançamento de Eu Sou Atlântica, há muitos poemas inéditos de Beatriz esperando para serem revelados ao público. Sua escrita poética percorre cartas, cadernos e manuscritos guardados com zelo, compondo um acervo que pulsa ancestralidade e afeto.

No prefácio da obra, a filósofa e ativista Sueli Carneiro descreve a presença de Beatriz com imagens que encantam:

“Tive o privilégio de assistir à célebre conferência de Beatriz na Quinzena do Negro na USP, em 1977, evento organizado pelo pesquisador Eduardo Oliveira e Oliveira. Lá estava ela, vestida de dourado, parecendo uma manifestação de Oxum em terra, audaciosa nas ideias, bela na imagem, altiva na interlocução. Um momento mágico de afirmação de uma mulher negra como sujeito do conhecimento sobre o seu povo. Um momento mágico de sabedoria e sedução, de elegância e perspicácia como se estivéssemos num ritual yorubá de culto ao poder feminino.”

Se estivesse viva, Beatriz Nascimento completaria 83 anos neste mês de julho. Sua voz, no entanto, segue necessária, viva e pulsante. Ela foi assassinada em 28 de janeiro de 1995, no Rio de Janeiro, vítima de feminicídio. O autor do crime, Antônio Jorge Amorim Viana, alegou que Beatriz havia aconselhado sua companheira, Áurea Gurgel da Silveira, a terminar o relacionamento, devido à violência doméstica que sofria.

A leitura de seus textos é mais do que um ato de conhecimento: é uma travessia. É reencontro com o mar Atlântico como ponte, não como abismo. É conexão com as epistemologias negras, com os saberes dos quilombos e com a força política da memória.

Ler Beatriz é deixar-se atravessar por oceanos de história, poesia e coragem. Sua Atlântica nos chama. E o chamado é urgente.

🌻 Recomendo também a leitura:

Interseccionalidades: pioneiras do feminismo negro brasileiro (Pensamento Feminista Brasileiro), organizado por Heloisa Buarque de Hollanda — uma coletânea de textos dedicados às precursoras do debate sobre as especificidades das relações entre gênero e raça: Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Sueli Carneiro.

📚 Referências

  • Sesc Pompeia – Atlântica – acesso em 10 de julho de 2025

  • Artigo “Uma história feita por mãos negras” – FFLCH USP – acesso em 10 de julho de 2025

  • RATTS, Alex. Eu Sou Atlântica: Lugares e Rotas de Beatriz Nascimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Oralituras / Fundação Rosa Luxemburgo, 2024.

  • RATTS, Alex (org.). Uma história feita por mãos negras: relações raciais, quilombos e movimentos – Beatriz Nascimento. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

Por Silene Felix
Colunista e membro do Instituto

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