A prisão recente do cantor Poze do Rodo e o ataque misógino à ministra Marina Silva são sintomas visíveis de um problema estrutural no Brasil: o racismo e o sexismo estrutural que operam nas instituições e na sociedade brasileira. Ainda que os casos se apresentem em contextos distintos — um no campo da cultura popular e outro na política institucional — ambos expõem como corpos negros, especialmente quando ocupam espaços de destaque, continuam sendo alvos preferenciais da criminalização e da deslegitimação.
No caso de Poze, um jovem negro de origem periférica que cresceu através da música, sua prisão evidencia como o aparato policial frequentemente age com seletividade racial e de classe. Ele foi tratado com rigor extremo pela instituição policial, e nem precisamos aqui citar casos de pessoas brancas em situações que de fato demonstram a legitimidade de intervenção “violenta” pela polícia, reforçando um padrão já conhecido: o Estado brasileiro pune com mais força os corpos negros e pobres. A criminalização da juventude negra, muitas vezes com base em estigmas associados ao funk e ao hip hop, reforça estereótipos históricos que vinculam cultura negra à marginalidade. Não se trata apenas da suposta infração, mas da maneira como o sistema escolhe a quem punir, como punir e com que intensidade.
Já o ataque misógino sofrido por Marina Silva, uma das poucas mulheres negras a ocupar um alto cargo político no país, é uma demonstração explícita de violência de gênero e racial. Ao ser alvo de ofensas e agressões verbais, Marina é atacada não apenas por suas posições políticas, mas por ousar existir e ocupar um espaço que historicamente foi negado a mulheres como ela. A tentativa de silenciamento não é apenas uma agressão individual — é uma mensagem coletiva: corpos negros e femininos ainda são considerados inadequados ao poder.
A violência política de gênero e raça tenta disciplinar mulheres que ousam ocupar espaços historicamente reservados a homens brancos. Marina é constantemente desrespeitada, interrompida, ridicularizada e desautorizada por uma elite que enxerga sua presença como afronta. Isso não é apenas violência simbólica — é um projeto ativo de exclusão.
O contraste entre como o sistema trata Poze e Marina é revelador. Um é perseguido por representar uma juventude negra que se recusa a permanecer à margem. A outra é atacada por insistir em exercer seu direito de governar. Ambos, de formas diferentes, desafiam estruturas que ainda acreditam que o poder deve ter rosto, voz, ser branco e ser homem.
Esses episódios não são exceções, mas manifestações cotidianas de estruturas racistas e patriarcais que se interseccionalizam e se reforçam mutuamente. O Brasil, país fundado sobre o genocídio indígena e a escravização africana, ainda se recusa a reconhecer que o racismo e o sexismo não são falhas pontuais, mas alicerces históricos de seu funcionamento institucional. Quando a sociedade se cala — ou pior, justifica — essas violências, ela reafirma que a igualdade é uma promessa ainda distante.
Precisamos reagir, precisamos reagir juntxs. Precisamos responsabilizar quem promove e/ou legitima essa violência. É urgente articular políticas que enfrentem o racismo e a misoginia em suas múltiplas dimensões: no sistema de justiça, na mídia, nas instituições políticas e na cultura desde a base, com educação antirracista, fortalecimento das expressões culturais periféricas, mecanismos de proteção a lideranças políticas negras e femininas, e uma justiça menos seletiva.
Precisamos amplificar as vozes de quem resiste, para que Marina Silva e Poze do Rodo não sejam exceções simbólicas, mas parte de uma mudança estrutural profunda. Enquanto isso não acontecer, artistas como Poze continuarão sendo tratados como criminosos por existirem, e ministras como Marina seguirão sendo atacadas por ocuparem o que muitos ainda consideram “lugar errado”.
Por Rafaele Ribeiro
Colunista e membro do Instituto
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