Search
Close this search box.
LogoLPPrincipal Colorido

O Julho das Pretas é também um período para demonstrar apoio a TodAs as mulheres que sofrem com a violência. Quando as instituições se calam, a barbárie e o descaso só aumentam.

Imagem criada com IA

Escrevo esta carta aberta a todas as mulheres que, como eu, um dia não tiveram um elevador para se proteger. Mulheres que, como Juliana ou K. (do povo Kovama), sobreviveram tendo apenas seus corpos registrados, mais UMA estatística desses sistemas falhos, omissos e coniventes.

Em menos de uma semana, recebo dois relatos nas mídias de alta circulação de mulheres com histórias muito distintas, que tiveram suas trajetórias, mais uma vez, expostas, revitimizadas em cenários de horror. O primeiro veio com o caso da indígena do povo Koyama, presa em uma cela masculina que acusou policiais de estupros em série enquanto amamentava seu bebê, permanecendo encarcerada por mais de nove meses em uma delegacia de Santo Antônio do Içá.

O segundo caso veio à tona recentemente e se espalhou por diversas páginas, revelando a barbárie do vídeo de Juliana, ex-companheira de Igor Eduardo Pereira Cabral (ex-atleta filiado à Liga Nacional de Basquete, cujo nome ainda aparece vinculado ao site dos Jogos Olímpicos (https://www.olympics.com/fr/athletes/igor-eduardo-pereira-cabral). Até o momento, a instituição brasileira segue em silêncio sobre o caso. Juliana foi brutalmente espancada em um elevador, e o que mais me choca, e ainda me comove, é a forma como sua vida está sendo exposta.

Ambos os casos, até o momento, não estão recebendo nenhuma repercussão em páginas oficiais do governo, nem em perfis de influenciadoras com grande número de seguidores e reconhecidas pelas pautas feministas. Os poucos que estão relatando, estão trazendo as imagens da violência a céu aberto, ou focando no feminicida[1], esquecendo de quem sobreviveu. Acredito que, por seus casos não serem pautas de discussão pública neste momento, acabam sendo silenciados, como se “não merecessem repercussão por parte de figuras públicas.”

Como citou Audre Lorde, “Não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo que suas correntes sejam diferentes das minhas. Não existe hierarquia de opressões.

 

Foto retirada do site The Guardian.

Quanto aos Ministérios e Instituições Públicas omissas, trago apenas uma palavra: necropolítica. Quanto às pessoas influenciadoras, que ganham visibilidade com pautas da sociedade civil e do apoio às mulheres, sabemos que estamos cansadas, tivemos perdas nacionais profundas, como Preta Gil e Dona Jacira. Mas ainda assim, precisamos nos unir. Porque por trás de muitas mulheres, há diversas sobreviventes que seguem em batalha, lutando por um cotidiano com menos violências.

Quem escreve este texto é uma mulher negra não retinta, pesquisadora e aliada que, há dez anos, ao contrário de Juliana, só sobreviveu porque havia um elevador que me protegeu após ser atingida, como ela, por um soco, além de uma facada no estômago. Hoje, consegui escapar deste território nacional que mata quatro mulheres por dia no Brasil e já tirou a vida de 82.204 mulheres, transformadas em “casos”, reduzidas a estatísticas. Dedico minha vida à pesquisa sobre políticas públicas e a causas como as deste Instituto, para que tenhamos menos vítimas e mais sobreviventes capazes de contar nossas próprias histórias.

Fontes: 

FOLHA DE S.PAULO. Policiais e guarda civil são presos por estupro de indígena em cadeia do AM. Folha de S.Paulo, 26 jul. 2025. Disponível em: folha.uol.com.br/cotidiano/2025/07/policiais‑e‑guarda‑civil‑sao‑presos‑por‑estupro‑de‑indigena‑em‑cadeia‑do‑am.shtml. Acesso em: 29 jul. 2025.

LORDE, A. (1984). Sister Outsider: Essays and Speeches. New York: The Crossing Press

SUMAÚMA Jornalismo. (2025, 18 julho). Indígena presa em cela masculina acusa policiais de estupros em série enquanto amamentava bebê. Sumaúma. Disponível em: sumauma.com/indigena‑presa‑em‑cela‑masculina‑acusa‑policiais‑de‑estupros‑em‑serie‑enquanto‑amamentava‑bebe/. Acesso em: 29 jul. 2025

TARAUD, C. (dir.). (2022). Féminicides : Une histoire mondiale. La Découverte.

CNCDH. (2016). Avis sur les violences contre les femmes et les féminicides. Paris: Commission nationale consultative des droits de l’homme. Commission nationale des droits de l’homme (CNCDH). Disponível em: https://www.cncdh.fr/publications/avis-sur-les-violences-contre-les-femmes-et-les-feminicides

[1] Feminicida pode ser o termo atribuido a assassinos e pessoas que praticam o que a OMS chama de  ou continuum do feminicídio, em português. O continuum do feminicídio é usado para descrever a persistência e a conexão entre diferentes formas de violência contra as mulheres, que vão desde agressões verbais, controle e humilhação até o assassinato. A ideia de continuum indica que o feminicídio não é um evento isolado, mas sim o ponto extremo de uma longa cadeia de violências normalizadas e frequentemente invisibilizadas.

 
Por Gabriela Rabello
Fundadora e colunista do Instituto

Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0: O conteúdo do blog pode ser reproduzido sob as condições estabelecidas pela Licença Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0. Esta licença permite que o material seja copiado e redistribuído apenas se for garantida a atribuição aos autores de cada conteúdo reproduzido, bem ao blog do Instituto LetraPreta. A utilização desta licença só é possível para uso não comercial, sem qualquer tipo de modificação. Os termos da licença podem ser consultados em: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PESQUISAR NO BLOG
Em destaque
Compartilhe nas redes sociais
Facebook
Pinterest
WhatsApp
LinkedIn
Twitter
Email
Facebook