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O que o trabalho voluntário nesses cerca de 10 anos me ensinou e por que você deveria pensar sobre isso?

Imagem criada com IA

Os trabalhos voluntários que realizei, muitas vezes, foram meus refúgios e espaços para enfrentar violências e negligências que eu vivia no cotidiano. Aprendi, no dia a dia, a apoiar iniciativas do próximo e também a crescer enquanto pessoa.

No dia 26 de dezembro de 2014, com 19 anos, saí do hospital para o enterro de minha mãe e sabia que a minha vida nunca mais seria a mesma. Enquanto pessoa sobrevivente, prometi a mim que iria prosseguir na universidade e dar esse orgulho a ela, mas também ajudar para que outras pessoas não passassem pelo mesmo que passamos. Com isso, em poucos meses, comecei a me implicar em iniciativas voluntárias na universidade.

A primeira delas foi o centro acadêmico, pois não pude acessar a empresa júnior do meu curso, com uma história que, na época, esteve ligada a racismo. Logo depois, encontrei um colega que tinha iniciado um time Enactus, mas, infelizmente, não iria dar seguimento e me perguntou se eu queria embarcar nessa. Logo após, em menos de 2 meses, tive a oportunidade de construir um time que trabalhava com projetos de impacto social e daí não parei mais.

Pela Enactus, tive o prazer de trabalhar e construir ao menos 5 projetos sociais, envolvendo o mais diverso número de membros. Trabalhamos com pessoas recicladoras que tinham o sonho de construir algum pequeno empreendimento e também com pessoas refugiadas negras que estavam havia poucos anos em Porto Alegre. Tivemos também a oportunidade de criar um dos meus primeiros projetos para mulheres, em que comecei, mesmo com medo, a ter confiança e saber que seria nessa perspectiva que trabalharia como foco de carreira.

Lembro-me de passar quase um ano nos intervalos da faculdade à noite, depois do estágio, estudando para o concurso, dedicando os finais de semana e algumas noites ao voluntariado, e ir levando para suportar toda a dor. Nesse movimento, para além da Enactus, consegui passar em um concurso e, durante toda a minha graduação, participar de ao menos 10 iniciativas voluntárias.

Sempre tive o sonho de fazer pesquisa, porém, na graduação e na região onde eu morava, as bolsas de iniciação científica eram destinadas a alunos de classe média e classe média alta, que já sabiam algum outro idioma. Desisti logo no meu segundo ano e tenho orgulho de dizer que construí uma trajetória sólida enquanto extensionista.

Eu sempre entendi muito cedo que estudo não forma o caráter, pois tenho muitas pessoas da minha família, como minha mãe, que foi proibida de estudar, que eram sempre muito solidárias e ajudavam o próximo. Entendo, sim, que acessar espaços através do estudo é muito mais fácil, pois, querendo ou não, acessamos o mesmo conteúdo e temos o mesmo privilégio de estudar com pessoas (no caso das universidades públicas em minha época) que nunca haviam experimentado a fome ou qualquer tipo de vulnerabilidade.

Todas essas atividades, bem como um cursinho que eu acabei pagando de pré-vestibular para aprender inglês mais tarde, me oportunizaram conseguir uma bolsa para fazer um estágio de pesquisa no último semestre da minha graduação, o que me levaria a vir fazer o meu mestrado e, agora, mestra, concluir o meu doutorado fora do país.

Sair e ter o privilégio de trabalhar com temas profundos ligados à violência de gênero e aos direitos humanos, para além da segurança física, também me possibilita ver outras realidades e entender que outros mundos são possíveis. Passado meu primeiro ano de adaptação, assimilação e choques culturais, entendi que precisava voltar a assentar as bases e construir o Letra, chamando meu parceiro de trabalho Maurício e também o Kevyn.

Desde então, passamos e tivemos o prazer de conhecer, trocar, rir, chorar e partilhar histórias com pessoas incríveis, de diferentes contextos, diferentes realidades e diferentes histórias, mas que, de alguma forma, todas perpassam pelo tema do racismo — e assim seguimos. Seguimos entendendo que o trabalho inicial de qualquer ONG é árduo, mas as trocas que temos entre o grupo e com as pessoas, parceires, estudantes e escolas com as quais trabalhamos não têm preço.

Desde que iniciamos o Letra, tivemos o prazer de ver ao menos 4 de nossas parcerias entrarem no mestrado. Dois parceires conseguiram recolocação no trabalho, e um deles nos disse que, ao falar que faz um trabalho voluntário, as pessoas recrutadoras o olham com outros olhos. Tivemos também muitas saídas, que entendemos como perdas de bons amigo(a/es) e pessoas que, pelo corre do dia a dia, não conseguiram prosseguir nesse sonho.

Porém, como boa filha e neta de lideranças comunitárias, sei que esses nossos primeiros passos são a continuidade de esforços de séculos e gerações e vamos, sim, oportunizar que mais pessoas jovens sonhem com futuros menos limitados e diferentes, como muitos de nós que trabalhamos hoje no Letra não tivemos a chance.

Não queremos saber se você é uma pessoa militante famosa, se você tem um diploma em um lugar X ou sabe Y por tal e tal fator. Queremos realmente conhecer quem é você quando por de tras de todos os escudos que esse país nos fez construir a força para sobreviver. Aqui, entendemos que todas as pessoas podem contribuir a partir de suas potências e trocar, para que possamos construir projetos que realmente transformem a vida de quem mais precisa.

Por isso, caso tu queira nos conhecer e passar alguns bons momentos de trocas online, resenhas e, quem sabe, encontros presenciais pelos nossos projetos, não fique com receio e inscreva-se. Quero muito ter a oportunidade de conhecer a tua história, assim como você está tendo a oportunidade de conhecer um pouquinho da minha, e espero que possamos nos ver em outros espaços. Obrigada pela confiança e nos vemos no movimento…

Avante, levante e ande sempre. Você representa muitos que foram e virão!

Gabriela Rabello
Fundadora e colunista do Instituto

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