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Afinal de contas, como o racismo começou?

Créditos: Foto pública, retirada de clipe, This is America -Childish Gambino 

Racismo, que é esse sistema de opressão e discriminação baseado na ideia de que há diferenças entre os seres humanos, que determinam a superioridade ou inferioridade de um grupo devido a sua cor de pele, tem raízes antigas e está ligado a processos históricos, culturais e sociais.

Ele começou a surgir de forma mais evidente quando as sociedades humanas passaram a se organizar em hierarquias e a explorar diferenças entre grupos. Essas divisões se baseavam inicialmente em aspectos culturais, religiosos e étnicos. Entretanto o racismo, como entendemos hoje, está profundamente ligado ao período colonial e à expansão europeia nos séculos XV e XVI [1].

Antigamente sociedades como as gregas e romanas já discriminavam outros povos, mas essa discriminação não era baseada em características biológicas como cor da pele [2]. Ela estava relacionada à origem cultural, ao status social ou à posição de poder. Pessoas escravizadas eram geralmente capturadas em guerras, e sua condição de escravidão não estava necessariamente associada à etnia ou cor.

Durante a era das grandes navegações, no século XV, os europeus começaram a explorar territórios na África, Ásia e América. Para justificar a colonização, a escravização de africanos e o genocídio de povos indígenas, criou-se a ideia de que certos grupos eram “naturalmente inferiores”. Essa visão foi reforçada por interpretações religiosas que alegavam que a inferioridade de certos povos era uma maldição divina, além de pseudociências que “classificavam” os seres humanos em raças hierárquicas [3].

No século XVIII,  com o reconhecimento do racismo enquanto ciência, pensadores como Carl Linnaeus e Johann Friedrich Blumenbach criaram classificações raciais que colocavam os povos europeus como superiores. Todas essas definições de raça refletem o predomínio da visão europeia na disseminação de conhecimento científico da época.

O racismo ficou mais forte nos séculos XIX e XX, especialmente com o imperialismo europeu. Ele foi usado para justificar políticas de segregação, como o apartheid na África do Sul, as leis de Jim Crow nos Estados Unidos e o extermínio de povos indígenas em vários territórios. Autores como Frantz Fanon e Achille Mbembe colaboram nesse pensamento, trazendo como com o advento do capitalismo, o racismo tornou-se um meio necessário para a reprodução dessas desigualdades e diferenças entre raças. No século XX, o nazismo levou o racismo ao extremo, causando o Holocausto e a morte de milhões de judeus, ciganos, negros e outros grupos marginalizados. Mas por que é tão evidente lembrarmos e ser feitas menções sobre o Holocausto e pouco sobre os efeitos da escravidão no nosso país?

A discriminação étnica no Brasil é profundamente enraizada nos processos de colonização, escravização e formação social do país. Suas origens remontam ao início da ocupação portuguesa em 1500, quando os colonizadores europeus chegaram às terras habitadas por centenas de povos indígenas, cada um com suas culturas, línguas e modos de vida.

A escravização africana foi baseada em ideias racistas que desumanizavam os negros, tratando-os como mercadorias. Para justificar isso, usavam teorias falsas e manipulavam a religião, dizendo que os negros eram descendentes de Caim ou amaldiçoados por Deus. Como ato de resistência, movimentos antirracistas começaram a ganhar força no final do século XIX e ao longo do século XX, o surgimento dos quilombos, a luta pela abolição da escravização, os movimentos de direitos civis nos Estados Unidos, a luta pela descolonização na África e na Ásia, e campanhas globais contra o apartheid e outras formas de discriminação racial. Apesar desses avanços, o racismo estrutural continua presente em várias partes do mundo.

A economia brasileira, que desde o passado, e ainda hoje depende da massa trabalhadora que luta diariamente em condições insalubres por salários sem dignidade, configurou um novo modelo de escravização, ajudando a manter uma sociedade desigual, com os brancos no topo e as pessoas negras na base. Lélia Gonzáles aponta que o racismo brasileiro se difere muito do modelo dos Estados Unidos [4]. Para a autora, o racismo a brasileira costuma ser um tipo de racismo disfarçado. Ou seja, o que hoje vem comumente a ser conhecido como estrutural, Gonzáles já no final dos anos 80, articulava que o modelo de racismo no Brasil proporcionava uma sofisticação para manter pessoas negras e indígenas na base da sociedade, graças a formas ideológicas de branqueamento e também o intuito de leis – por exemplo ligadas a direitos humanos, que funcionam a priori somente no papel ou para pessoas não racializadas.

Ou seja, o racismo não começou de uma só vez, mas foi construído ao longo do tempo, como uma forma de justificar desigualdades e manter o poder de determinados grupos sobre outros. As lutas antirracistas continuam, com movimentos como o “Black Lives Matter”, criação de políticas, no Brasil, e iniciativas de educação e conscientização como o Instituto LetraPreta. Compreender como o racismo surgiu e se consolidou ajuda a desmantelar as estruturas que o perpetuam, promovendo um futuro mais igualitário e justo.

Sendo assim, vamos seguir desmantelando?

[1]  MILES, Robert. O mito da raça: a construção social das diferenças raciais. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

[2] Jácome Neto, F.. (2020). A recusa da interação: um ensaio historiográfico sobre etnocentrismo e racismo na Grécia Antiga. Revista Brasileira De História, 40(84), 21–41. https://doi.org/10.1590/1806-93472020v40n84-02

[3] MILES, Robert. O mito da raça: a construção social das diferenças raciais. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

[4] Gonzalez, L. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº. 92/93. p. 69-82.

Por Rafaele Ribeiro
Colunista e membro do Instituto 

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