Créditos: Foto pública, retirada de Nappy.
A temida redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – uma das etapas para obtenção da nota que possibilita a entrada de milhões de estudantes brasileiros no nível superior – foi realizada, e no primeiro dia de provas, teve muita repercussão. Muitos participantes cogitaram não realizá-la, seja por preconceito, ou, por falta de intimidade com esse assunto, algo que na verdade está ao nosso redor, materializado em tudo que fazemos, seja na música, na dança, nas palavras que usamos, na alimentação, e até mesmo em nossas manifestações artísticas.
Com o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” o ENEM 2024 não provocou somente estudantes, mas toda a sociedade brasileira, colocando em pauta a reflexão de que a história sobre a herança africana nos foi negada por longos anos, e que somente depois de muita luta do movimento negro, a lei 10.639/2003 tornou – se obrigatória o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do Brasil, desde o ensino fundamental até o ensino médio.
Pontuada como grande avanço na luta antirracista do país, a lei apresenta imensas dificuldades a respeito de como implementar a cultura afro-brasileira nas escolas, e como fazer com que professores pensem criticamente essa implementação [1] .
Este entrave se deve à colonialidade ainda presente nos dias de hoje, que enaltece a cultura europeia enraízada em nosso país e ignora epistemologias afrocentradas e saberes tradicionais essencialmente africanos, limitando o foco e o debate a períodos específicos, como o dia da consciência negra, em novembro.
O aprofundamento na nossa cultura não se limita à religião ou ao samba no pé. Basta uma rápida pesquisa para aprendermos sobre inúmeros/as escritores/as que trazem em suas escrevivências a riqueza da contribuição do povo negro no Brasil, como exemplo: Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Renato Nogueira, Neuza Santos Souza, Abdias do nascimento, Lelia González, Ana Maria Gonçalvez e outros/as diversos/as escritores/as que nos ensinam a valorização da nossa cultura.
Assim, através do ensino e da pesquisa, na escola e fora dela, poderemos desconstruir a percepção eurocêntrica de que o continente africano é lugar de atraso, de povos sem estrutura, de situações de vulnerabilidade, ou apenas de lugares turísticos, como os safáris [2]. Apenas através da educação poderemos transmitir que a história do povo preto não se inicia na escravidão, e que há grandeza e amplitude em sua tecnologia ancestral.
Nesta perspectiva, e mesmo utilizando uma ferramenta estritamente colonial de avaliação[3], o ENEM fortaleceu o debate e a reflexão de que há herança africana aqui, neste continente. Que nossa ancestralidade é única e original, e que nossas filosofias de vida rejeitam o individualismo fomentado pelo capitalismo, e incentivam a paz e a coletividade, enfatizamos no provérbio africano “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”!
Somos descendentes deste povo que tanto sofreu em terras brasileiras, e que em nenhum momento se rendeu a essas situações. Traçamos estratégias de luta no passado e continuamos lutando e aquilombando na atualidade.
Por Suellen Andrews
Colunista e membro do Instituto
[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2023/11/escolas-descumprem-lei-e-ainda-nao-oferecem-educacao-antirracista#:~:text=%E2%80%94%20Os%20vestibulares%20e%20o%20Enem,que%20os%20indiv%C3%ADduos%20se%20formam.
[2] https://www.youtube.com/shorts/tIbzjYsL3Hg / https://www.youtube.com/watch?v=scEusNX0XX4
[3] A forma avaliativa visa um padrão de ideias que se baseia em uma hierarquia global e posiciona o Ocidente como o centro e as culturas não ocidentais como inferiores e periféricas.
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