Ilustração retirada de almapreta.com.br
Sempre disseram que eu dava conta. Que eu era forte. Que mulher negra é assim: guerreira, firme, coluna da casa, chão dos outros. E eu acreditei. Acreditei tanto que segui vivendo como quem não pode parar. Como quem não pode quebrar. Sempre cuidando, sempre acolhendo, sempre escutando. Mas nunca — nunca mesmo — me permiti ser cuidada.
Foi quando adoeci que entendi o que isso custava. Meu corpo cansou, minha mente gritou e minha fé… minha fé balançou. Eu, filha de Oxum, mulher de axé e de águas doces, me vi seca por dentro. Duvidei até dos meus orixás, daqueles que tantas vezes me acolheram no silêncio das madrugadas difíceis. Fiquei num buraco sem fundo, e, por um tempo, achei que não sairia de lá.
A dor da solidão é uma dor que não se vê. A impotência diante do mundo, a sensação de estar invisível, mesmo rodeada de gente. Descobri que há um limite entre dar amor e se esvaziar por completo. E eu tinha cruzado esse limite muitas vezes.
Ser forte o tempo todo adoece. E nós, mulheres negras, tantas vezes ensinadas a suportar o insuportável, precisamos reaprender o que significa merecer cuidado. Não é fraqueza pedir ajuda. Não é vergonha chorar. Mostrar a nossa dor é também um ato político, um grito contra a desumanização que nos cerca desde sempre.
Hoje, aos poucos, volto a encontrar minha força — mas uma força diferente. Uma força que não se mede pela resistência, e sim pela coragem de ser vulnerável. De dizer “eu não estou bem”, de aceitar o colo, de descansar sem culpa.
Eu continuo sendo filha de Oxum. Continuo oferecendo amor por onde passo. Mas agora aprendi a perguntar: e a reciprocidade? Porque também mereço ser amada, ouvida, respeitada. Também mereço estar inteira.
Escrevo isso porque sei que não sou a única. Há muitas de nós aí, se sentindo sozinhas no meio do turbilhão, tentando respirar entre um cuidado e outro. Quero dizer a você, irmã de luta e de dor: você não está só. Estamos conectadas por uma rede invisível de afeto e resistência. Uma rede feita de histórias como a minha, como a sua.
E nessa rede, a gente se cuida. Porque cuidar uma da outra é, talvez, o mais bonito ato de cura que podemos oferecer ao mundo.
Por Anelise Silveira Cardoso
Colunista e membro do Instituto
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